Criar um ambiente criar uma atmosfera criar um espaço criar-brincar
brincar um ambiente brincar uma atmosfera brincar um espaço brincar-dançar
dançar um ambiente dançar uma atmosfera dançar um espaço dançar-sentir
sentir um ambiente sentir uma atmosfera sentir um espaço sentir
Um dia, Elliot Eisner, arte educador, nos disse: “A educação é um processo de tornar-se arquiteto de nossa própria educação. E o processo não acaba até fazermos”
Nos últimos anos nos dedicamos às práticas de corpo, som e movimento com pessoas nos primeiros anos de vida e suas famílias, em espetáculos, aulas regulares, ateliers e oficinas pontuais. Em nossos trabalhos formativos e cénicos, exploramos o brincar livre (a atividade principal de conhecimento do mundo de uma criança) e a criação de ambientes em que a experiência artística possa permear a brincadeira, dando suporte ao crescimento, à autonomia e a criação de vínculo entre pessoa adulta e pessoa criança.
Acreditamos na potência que a arte pode ter de ampliação das vivências ligadas à sensibilidade e criatividade de uma pessoa. Nos primeiros anos de vida, principalmente, toda a experiência passa pelo corpo. Entendemos que o movimento, dobrar uma perna, morder a mão, olhar tudo a volta, girar, rebolar, empurrar, agarrar, largar, balbuciar, gritar, chorar, são formas de existir no mundo. Encontrar um outro corpo, dar e receber um objeto, tocar com os olhos, com as mãos, com a boca, observar as mais pequeninas mudanças de luz, um som diferente que surge, ou sons que já conheço, cheiros e aromas que atravessam o espaço. E então, repetir tudo outra vez. Tudo isso faz parte de repertórios frescos de ser pessoa no mundo. Uma sabedoria do corpo, que nos primeiros anos de vida, acabam sendo fundamentais na formação de cada pessoa. Onde as experiências, o desenvolvimento motor são marcantes num corpo que está a crescer.
Na nossa prática, ouvimos atentamente a diferença entre estimulação/ imposição de uma atividade e o convite a atravessar ativamente uma experiência artística, brincante e sensível em um ambiente cuidadosamente preparado para o acontecimento. Um convite a sermos co-criadores da nossa própria experiência. E isso, desconfiamos que as pessoas pequeninas sabem bem ser com maestria.
É preciso estimular a criança? É preciso criar momentos multisensoriais?
A criança tem em si as condições necessárias para o aprofundamento sensorial com as coisas e consigo mesma. Desconfiamos que nosso papel é propiciar um ambiente que acolha e possibilite variedade de experiências e acompanhamento das pequenas descobertas.
Como criar um ambiente de profundidade sensorial?
Profundidade Sensorial, um mergulho, uma abertura ao sensível.
Tudo isso poderá sempre ser um potente caminho para exercitar algo que aprendemos diariamente com as crianças: a inteireza da presença, do corpo na relação com as coisas, os espaços, os sons e as luzes. Quanto mais a criança se relaciona com corpo, mais ela descobre o mundo.
Façamos um pequeno exercício de ampliar o nosso olhar para o desenvolvimento saudável de uma criança (a saúde sob um olhar global, holístico), ancorados em princípios que tantos e tantas estudiosas das infâncias já nos ensinaram: o brincar livre, a criação e fortalecimento de vínculo, cumplicidade e parceria entre pessoa adulta-pessoa criança, a motricidade e a exploração livre de intervenções desnecessárias.
Acompanhar e ser acompanhado ao mesmo tempo.
Nos nossos trabalhos propomos que as relações nunca sejam só sobre as crianças.
Fazemos o exercício de nos perguntar e provocar as famílias que estão connosco a se perguntarem: qual é o meu desejo, enquanto pessoa adulta, que está aqui a partilhar o mundo com essa pessoa nos seus primeiros anos de vida?
Assim, praticamos o acompanhar e o ser acompanhado em uma mesma ação que poderá ser um fator de grande diferença no desenvolvimento da autonomia de cada um.
Lembro-me bem de um dia, em um atelier, provocar isso para as famílias presentes e um pai que segurava o bebé de 7 meses no colo me olhar assustado e dizer: “fazem 7 meses que minha vida é só sobre meu filho. eu posso olhar para mim?” Ele foi colocando o filho no chão, fomos todos acompanhando o movimento, e com segurança e confiança foi se afastando do bebé até deitar no chão ao seu lado. A música que estava na sala vazia era um som de pássaros ou algo assim… Aos poucos fui trocando a música, provoquei com uma sonoridade mais dançante. O pai foi se levantando e começou a dançar dançar dançar, para ele. Não era para ninguém, nem para o filho… Mas, o vínculo e a confiança, no espaço, entre as pessoas, na atmosfera, abriu a possibilidade de afastar e aproximar do pai e do filho. O pai estava lindamente a dançar conforme o seu próprio desejo, o bebé estava ali, a acompanhar o pai, a mexer o corpo, ouvir o som. Estar. Presença. Relação. Confiança.
Em diversas áreas de conhecimento, como o corpo, a arte, a saúde e a educação, é comprovado que quando o espaço é bem cuidado, preparado, harmonioso, quando os materiais, luzes, sons, estímulos são adequados, quando a pessoa adulta (de referência da criança) está bem emocionalmente, fisicamente, mesmo que seja naquele instante, é possível ver um desenrolar saudável do desenvolvimento de todas as pessoas, da família, da escola.
Tudo isso parece muito bonito, mas e na prática? Como fazer?
Se chegaste até aqui, podes imaginar que não vamos dar fórmulas prontas e mágicas para construir um ambiente de afeto e diversidade sensível. Não vamos criar um tutorial de como fazer. Acreditamos que cada família, cada escola, cada relação é única e por si só valiosa. Mas, confiamos que com as provocações e reflexões apresentadas anteriormente e as inspirações que vamos dar a partir de agora, vai ser possível no dia a dia, pensar e re-pensar as práticas. Criar e inventar mundos, espaços, atmosferas e acontecimentos que possibilitem um mergulho de profundidades sensoriais, com um olhar artístico no desenvolvimento saudável de uma pessoa que está a crescer.
Quais os materiais que oferecemos?
Todo material é bem vindo. A matéria tem uma pedagogia por si só. Se observarmos bem, os bebés estão quase sempre a aprender sobre seus desejos sobre as coisas e a escuta atenta do desejo que as próprias coisas têm.
Todo material é bem vindo, mas a escolha deles não é indiferente. Quais os objetos, brinquedos, matérias estamos a oferecer? Quantos objetos deixo à disposição para a brincadeira? Qual a qualidade desses materiais? As texturas? As cores? E um passinho mais a frente, no contexto todo do espaço, como eles estão distribuídos, como se compõem? As escolhas estéticas não são indiferentes.
Muitas vezes, quando pensamos em crianças, bebés, brincadeira, podemos facilmente associar a cores vibrantes, muitas cores, bagunça, euforia, efusividade. Pode ser? Sim, pode. Mas, também pode não ser. Já experimentamos oferecer rolinhos de papel higiênico e ver o que acontece? Pedaços de madeira de tamanhos variados? Tecidos de texturas diversas?
Nosso desafio é observar que não precisamos de muito, nem de brinquedos estruturados, os tais brinquedos pedagógicos, criados para para ensinar alguma coisa a alguém. Além desses brinquedos, podemos oferecer objetos cotidianos ou até mesmo encontrá-los em um passeio pela natureza, com características diversas e interessantes que despertem uma qualidade tátil, sonora, visual, olfativa e até quem sabe, gustativa. Madeira, metal, papel cartão, tecidos, palha, sementes, areia, folhas.
Preparar o espaço
Escolhemos os materiais que queremos para o dia, até pensamos que podem compor-se esteticamente na qualidade das cores e texturas. E agora?
Para nós chega um dos momentos mais divertidos, criar, compor esse espaço. Qual a intensidade de luz que quero aqui? O papel grande e os lápis de cera ficarão onde (no chão? na parede?) E os tecidos? Podem compor com esse cantinho? E as sementes que coloquei nesse saquinho de pano, ficam aqui de que maneira? Os bloquinhos de madeira, acho que podem ficar bem aqui.. e as fitas?
Queremos desafiar-te a compor, como quem constrói uma casinha ou um cenário, preparar o espaço esteticamente, para que possa abrir caminhos para a relação, a criação, o interesse, a exploração e a descoberta. Um espaço agradável, confortável, harmonioso e potente.
Na construção deste ambiente, aqui colocado como uma das últimas coisas, mas não menos importante, uma provocação: e a sonoridade deste espaço? Quais os sons da rua, da cidade, da casa que atravessam o ambiente? E quais os sons que eu escolho colocar para compor a cena, a brincadeira, a aula, a sala de casa?
Música para criança?
Sou criador sonoro e cantautor de músicas para famílias. Componho músicas na relação com as crianças em sala de aula e não só. Busco trazer diversidade rítmica, timbrística e harmônica nas minhas composições, para ampliar a vivência sonora. Minha busca é criar músicas, canções que incluam as crianças. Sempre me pergunto se estou com um idéia sobre a criança, sobre o que ela gosta ou deixa de gostar e tento não infantilizar as minhas composições, para que elas tenham qualidade, riqueza e diversidade sonora para todos que a escutam.
Agora até indo um bocado contra o meu próprio trabalho, queremos provocar a pesquisa de músicas, sons, que possam abraçar todas as pessoas independente de idade. Será que as crianças só gostam de músicas para crianças? Quais músicas que, eu adulto, gosto de escutar? Quais atmosferas/sensações, essas músicas propiciam? O som pode ser, e é, um potente modelador de ambiente e ânimo. Repare bem seu estado de humor quando está num sítio com muito barulho. Agora, vá além, imagine quais os estados de presença, sensações, quais as atmosferas queres construir aqui? Quase como brincar a dj, selecionar trilhas sonoras e playlist’s dos momentos cotidianos e não só.
Com o espaço preparado é chegado o momento de mergulhar em mundos e viajar por brincadeiras e descobertas sem fim.
Ao entrar no espaço previamente preparado é a hora de trabalhar nossa presença, nossa relação. Deixar que o brincar livre aconteça em parceria ativa, que acompanha, observa e cria junto, respeitando os desejos de cada pessoa, seja ela adulto ou criança. Confiar que o bebé é uma pessoa ativa, desde a vida uterina, e não passiva a tudo o que o adulto oferece ou interfere. Muitos estudiosos das infâncias concordam que estimular ou impor uma atividade pode inibir o ato de criação da criança. Concordamos. Entretanto, na nossa prática, ao buscar escutar o nosso próprio desejo enquanto pessoas que partilham a vida, os espaços, nos perguntamos: Como podemos nos implicar verdadeiramente nos nossos interesses e descobertas, junto? Em relação. Uma criação contínua de proximidade e distância.
Estar por dentro da brincadeira, ao mesmo tempo que me afasto, observo e deixo as explorações virem à superfície. Volto a me aproximar. Acompanhar o gesto, o movimento de quem se encanta ou vê algo como se fosse a primeira vez.
Durante esse caminho de interesses e desinteresse pelas coisas, talvez seja possível observar gestos ou ações acontecendo. É hora de avaliar e propor com qualidade e diversidade. Se só jogo vários convites (empurra, desenha aqui, olha esse pano, amassa esse papel…) talvez eu não saiba bem qual é a qualidade de cada ação na relação. Ou se aquilo que vou propor seja mera redundância naquele momento, ou até mesmo seja o que eu imagino que a criança precise fazer.
Observe, brinque, avalie, afasta, volta a aproximar.
Normalmente, temos alguns parâmetros ao fazer um convite: notamos quais as preferências que o bebé está a estabelecer com as coisas e por vezes, oferecemos contrapontos, por outras, reforçamos a ação.
Se a pessoa está a empurrar uma caixa, eu vou lá e ofereço mais elementos para empurrar, empurro junto, descubro eu também as complexidades que podem ter num simples empurrar, compartilho desta descoberta. Em outro momento, posso trazer o contraste e puxar. Empurrar-puxar. Agarrar-largar. Dentro-fora. Cheio-vazio. Perto-longe. E assim, posso brincar com os contrastes de interação e relação dentro de uma mesma atmosfera.
Se o ambiente que criamos propõe por si só um cuidado, objetos que convidam à delicadeza, estamos sempre a nos perguntar: qual nosso limite máximo com o cuidado? Cuidado x controle, até onde vai o descontrole? o caos dentro do cuidado? Se estamos sempre com muita cautela e cuidadosos, porque não testar o oposto. O adulto que conhece esses limites pode amparar a descoberta dentro do caos, ao invés de podar ou assumir os comandos de ordem, reforços positivos ou negativos. Vamos juntos?
Que tal confiarmos que no caos e que a partir dele, pode ser possível encontrar silêncios, poisos, pausas, organização, delicadeza... A natureza, os animais, as plantas estão o tempo todo a nos ensinar sobre isso. Por fim, só poderemos medir, avaliar se estivermos implicados na relação com o outro e comigo mesma. Na qualidade da presença, do estar verdadeiramente junto no aqui e no agora.
Vamos crescer juntas e juntos?
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