5 histórias para dançar mundo
Jardim de infância
Inspirados nas “Flechas” criadas e elaboradas por Ailton Krenak e Anna Dantes no Ciclo Selvagem, convidamos encontros para dançar, ouvir e re-inventar narrativas sobre o mundo. Cada dia vamos descobrir histórias diferentes, ampliar as narrativas e dançar a diversidade daquilo que pode ser um mundo plural. Uma história é sempre uma oportunidade para mergulhar em muitos saberes e viajar por muitos mundos. Permitir-nos ouvir histórias com o corpo todo, dançá-las, descobrir narrativas pouco conhecidas, brincar com elas e poder criar nossas próprias histórias pode ser uma grande aventura.
Uma residência artística com pessoas de 3 a 5 anos?
Sim, acreditamos que podemos fazer-aprender coisas juntos. Que o conhecimento muitas vezes se dá a partir do “fazer-fazendo”. Que pessoas de todas as idades têm muito a contribuir com a construção de práticas e conhecimentos em arte, como podem e conseguem. Cada pessoa traz aquilo que tem e assim todos os convites e proposições consideram cada uma-um “fazedores” de arte.
Nossos convites nascem do encontro com a documentação viva, criada nestes tempos, por Ailton Krenak e Anna Dantes no Ciclo Selvagem. As “Flechas abrem caminho para que sejam feitas novas perguntas. É destinada ao público geral e também um convite para que escolas, universidades, pontos de cultura e projetos comunitários de educação acessem narrativas mais pluriversais.”
Mas como trazer essas reflexões em práticas artísticas para pessoas de tão pouca idade?
Em cada dia trabalhamos a partir da reflexão sobre uma “flecha”: A canoa e a serpente, O sol e a flor, Metamorfose, A selva e Seiva, Uma flecha invisível e Tempo e amor.
Extrair o sumo de um pensamento e trazê-lo em práticas de corpo-som-movimento-manualidade. Entendemos que o pensamento é movimento e neste sentido, deixamos que os conceitos escorram para os gestos, as danças, o mover, o encontro, o agora-agora… Partimos de inspirações e conteúdos que as histórias trazem e deixamos que os encontros possam ganhar novas formas e produzir novos conhecimentos. Ficamos muito felizes, honrados e até impressionados com a forma em que: a partir da dança, do movimento e da criação, as pessoas-crianças foram elaborando seus conceitos com um grau elevado de complexidade. A teoria aparecia no corpo, a partir dos movimentos e os elementos trazidos a cada dia.
Uma criança brinca, com o corpo todo presente. Brincar ao fazer arte, construir pensamento enquanto se brinca. Contamos e vivenciamos as histórias no corpo, em momentos de brincadeira-arte-exploração.
Nossa semana foi assim:
Começamos por ser serpente-canoa, que transporta pessoas-peixe para construir o mundo com muito trabalho, e talvez, até com alguma magia de suas varinhas.
Vimos que o sol dá energia e potência para o crescimento de tudo e todos. Os planetas estão constantemente a girar em espiral, fazendo grandes flores ao orbitar no universo. Conseguimos ser planetas, descobrimos espirais, fomos flores, e descobrimos que podemos sermos muitos. Talvez, tudo o que quisermos. Que somos partículas, fazemos parte deste grande organismo vivo que habita a Terra. Estamos constantemente (ou deveríamos estar?) a dançar a “dança cósmica” como diz Ailton Krenak.
Na magia de sermos tudo, vimos que tudo está em constante transformação. Se pudermos considerar pr’além das formas em que a ciência fala sobre a metamorfose, talvez, seja possível abrir espaço para que a imaginação viva de artistas-crianças, construam pensamentos sobre o que é transformar-se. Descobrimos nesta semana, que a metamorfose pode se dar entre todas as formas vivas, entre tudo o que é natureza. Partimos das lagartas-casulos-borboletas passamos pelas pessoas-leões, e vimos que até os sentimentos e as emoções podem se metamorfosear.
O cansaço da semana chega-nos a todos, mas da sabedoria das plantas vemos a tranquilidade chegar ao corpo na partilha de um chá de camomila, melissa e lavanda. Sentir o cheiro e gosto das plantas, ver a água cristalina ganhar cor, aroma e gosto.
Entre águas coloridas, mergulhamos no azul para imaginar os micro-organismos, bactérias, micróbios e micélios que vivem e crescem todos os dias onde nossos olhos não conseguem alcançar. De pequenos pontinhos desenhados no nosso chão-céu, ganhamos dimensão. Tudo é natureza. Aquilo que é natural e aquilo que nós humanos produzimos. O que é que deixamos para o futuro? Para as próximas gerações? Nossos corpos, de alguma forma, ficam impressos neste planeta. Enquanto crescemos, ganhamos o mundo e conquistamos a nossa autonomia, também construímos o que vai ser o ontem de amanhã.
Hoje seguimos acreditando que práticas artísticas do cotidiano podem ajudar na construção de um mundo mais possível. O caos faz parte da ordem. O rigor pode andar lado a lado com o amor. As liberdades não precisam ser controladas. Perceber o contorno do meu corpo, do outro e dos espaços, auxilia na nossa convivência - que é no fundo: viver com, e não é tão simples quanto parece. Talvez, demande a atualização constante daquilo que vai sendo viver sob uma “ética amorosa” como ensina-nos Bell Hooks. Essas práticas se constroem no dia a dia, com muito trabalho, alegria, utopia, liberdade, amor-rigor e eternos não-saberes.
Nosso muito obrigado pelo convite-parceria do Conservatório de Música de Sintra e toda a sua equipa cheia de afeto. À confiança das famílias que estiveram connosco nesta semana, e principalmente aos pequenos artistas: Ana Terra, Amélia, Carmen, Henrique, Pilar, Inês, Martim, Mimi, Naomi, Samira e Tiago,