in.do - histórias com o céu às costas
uma criação apoiada pela Direção Geral das Artes - República Portuguesa
com estreia em Castelo de Vide - Agosto'24
in.do é um quarteto para três corpos-bola e um corpo humano. É uma dança-viagem que conversa com o vento, com a inclinação da rua, com o coração de quem passa ou vem ao encontro. Pessoas de muitas idades. Pelo caminho aparecem fios que tecem histórias, fios que destapam mistérios escondidos e esquecidos e guardados em cantos e brechas. in.do faz-se dança indo, confiando que o mundo e os mundos querem existir dançando entre a terra e o céu.
Agora que o mundo acabou, podemos dançar-brincar?
Ir como uma ação em andamento. Deslocar de um lugar para o outro, mergulhar para dentro do verbo, por dentro do próprio fazer. Estou indo. Como uma bola que está indo com o vento ou o declínio da rua. Uma pessoa que está indo atrás da bola e encontra com fios escondidos nas paredes, no chão, nas brechas que se abrem pelo caminho. In.do por dentro (in) do próprio fazer (do) e as possibilidades que se revelam enquanto a dança acontece.
Uma dança que se move com o invisível. Entre aquilo que se vê e o que não existe. Ou o que existe e não estamos a ver. Uma dança que revela fios. Puxa pontas de histórias escondidas por entre buraquinhos na parede. Histórias de mundos, de céus, de pessoas que viviam em casas, agora abandonadas, de sonhos, de finais e de inícios de mundo. Histórias esquecidas ao longo do tempo. Histórias que nunca foram contadas. Fios que se cruzam e desenvolvem-se em narrativas diferentes para uma mesma história. Se Chimamanda Ngozi nos provoca com “O perigo de uma única história”, como podemos encontrar as pontas de fios que revelam histórias que não são contadas? Qual fio puxar para contar uma história? Quais os fios que compõem essas histórias? Que histórias são estas?
Uma das inevitáveis a serem contadas é a mitologia grega do Atlas. Um titã, um dos deuses velhos da Grécia, que teve o azar de escolher o lado errado de uma guerra celestial. Ele ficou do lado que perdeu e por isto, foi castigado: ele teria de ficar num canto da terra segurando o céu nos ombros.
Outra história tocada nesta criação é: “A queda do céu”, mitologia dos povos originários Yanomami, escrita por David Kopenawa e Bruce Albert. Conta sobre um dos possíveis finais de humanidade, em que o céu cai, originando outro céu e a possibilidade de renovação da floresta, da Terra. De tempos em tempos o céu dá sinais de que está a cair e povos de todo o mundo reúnem-se para tentar suspender.
E agora que o mundo já acabou, podemos dançar?
in.do nasce da investigação da Baleia sobre o encontro e a procura de brechas que abrem espaços para o brincar-estar-dançar com as crianças e famílias. Nasceu na Rua da Prata em Lisboa - agora fechada para o trânsito de carros. Passamos a convidar as práticas artísticas, que acontecem desde 2016, no c.e.m centro em movimento e na Creche da Encosta do Castelo, na rua da Prata. Entre Janeiro a Julho de 2023, semanalmente, pelas manhãs e finais de tarde, fizemos o caminho até a Rua da Prata. Junto das educadoras e crianças da Creche e também, das famílias que frequentam as aulas regulares de corpo e movimento. Uma insistência, uma construção coletiva e quotidiana, que acompanha a filosofia de trabalho com as pessoas e lugares, praticada pelo c.e.m há mais de trinta anos.
Correr, caminhar, saltar, deitar e rebolar no asfalto. Descansar e olhar para o céu. Dançar, cantar, desenhar, ler, pensar. Corpos pequenos e grandes no asfalto, na calçada. Com a rua. Alí, foi possível encontrar e criar com uma “brecha lúdica”. Viver a rua e ouvir pelas bocas pequenas um grande grito de descoberta enquanto corriam: “A rua é nossa!”. Um espaço em que o divertido existiu, resistiu e se atualizou com a presença das pessoas de muitas idades. Espaço de prazer. É provável que as obras cheguem ao fim e os carros voltem a correr por ali. Mas o impossível tornou-se possível naquele momento em que estivemos a ouvir a abertura repentina de uma brecha.
Por entre compressões daquilo que vamos chamando mundo, como quem encontra o possível por entre os impossíveis, vamos conhecendo, escutando e valorizando as histórias e narrativas contadas pelas crianças para, talvez, compreender-nos enquanto sociedade. Neste sentido, podemos deixar que as brechas sejam transformadas em portais sensíveis para mergulhos profundos na construção de comunidade.